A candidata Marina Silva acaba de anunciar que ficará neutra neste segundo turno que ajudou a criar. Neutra? Alguém acredita em neutralidade na política? A senadora Marina Silva tem uma história de vida belíssima, muito conhecida e muito respeitada. Porém, em sua campanha para presidente, toda essa simbologia construída junto com Chico Mendes e diversos outros companheiros e companheiras no PT do Acre esteve a serviço de um projeto político ambíguo, para dizer de forma elegante.
Marina Silva defendia quando fazia parte do PT aliança com o PSDB. Durante sua campanha para presidente usou um discurso de “união nacional” no qual governaria com os “bons do PT” os “bons do PSDB”, os “bons do DEM”, etc. Este discurso, incrivelmente despolitizado teve e ainda tem muita repercussão no Brasil, não à toa, José Serra segue a mesma lógica. A eleição para presidente da República é a mais importante das eleições, na qual projetos políticos diferentes serão debatidos com a sociedade.
Mas, qual foi mesmo o projeto político apresentado por Marina Silva para a população? Sabemos de sua história no ambientalismo e aqui cabe uma ressalva. O ambientalismo de Marina Silva é aquele do Greenpeace e WWF, que Plínio de Arruda Sampaio genialmente chamou de ecocapitalismo, mas, nem isso ela assumiu. Marina Silva, que é neopentecostal da Assembléia de Deus, não assumiu a sua fé, também não assumiu que é a favor da concepção criacionista nas escolas, contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo, bem como o sexo antes do casamento, etc.
O ambientalismo de Marina e do Partido Verde é como o movimento “paz pela paz”, no qual as pessoas se vestem de branco e fazem uma caminhada para mudar o mundo e assim podem dormir sossegadas sabendo que fizeram sua parte. O Partido Verde é o mesmo que faz parte do governo do DEM e do PSDB em São Paulo, é apêndice do PSDB no Rio de Janeiro e apêndice do DEM no Rio Grande do Norte, onde tem o seu cargo eletivo mais importante no Brasil, a prefeitura de Natal, com apoio de José Agripino.
Como um projeto ambíguo assim teve tanto espaço na grande mídia? Por que as concepções conservadoras de Marina não foram divulgadas e exploradas pela mídia? Ora, sem isso como é que o PSDB iria para o segundo turno?
A oposição ao governo Lula, governo do qual Marina fez parte por seis anos, disputou as eleições para presidente como quem disputava prefeitura de cidade do interior com dois mil eleitores. Nunca baixaram tanto o nível! Questões morais, de fórum íntimo, passaram a ser o centro do debate. Essa baixaria interessava ao PSDB que queria fugir da comparação com o PT e contou com o incondicional apoio de Marina Silva.
Então, como se dividem os 19,33% eleitores de Marina? Matutando por aqui, consigo identificar três tipos. Direi eleitores de Marina porque não eram eleitores do PV, que teve pífio desempenho parlamentar, por exemplo. Para todos os três tipos, eleição para presidente não tem nada a ver com as outras eleições: para governador, deputados federais, deputados estaduais e senadores.
O primeiro tipo é progressista, apresenta sinceras críticas ao governo do PT, mas não quer de volta o governo do PSDB. Com estes, não apenas o debate é possível como é necessário. Com estes podemos também discutir seriamente com sinceras críticas ao projeto político de Marina. Este setor do eleitorado de Marina agora vota e faz campanha para a Dilma, melhor mesmo do que muitos petistas!
O segundo tipo é o eleitor cristão-protestante-neopentecostal. Recebi vários e-mails e recados no Orkut de pessoas pedindo voto para Marina, não por conta de sua história de vida, não por sua defesa do meio-ambiente, não por críticas ao PT ou ao PSDB, mas porque ela é “uma mulher de Deus”, contra o casamento gay e o aborto, contra essa a “pouca vergonha” e a “idolatria” que está se tornando a sociedade. Com esse tipo de eleitor não dá para conversar. Não dá porque estão na Idade Média e para convencê-los apenas convencendo o pastor ou bispo de sua igreja.
O terceiro tipo do eleitor de Marina é o neo-udenista de classe média, de “esquerda” ou de “direita”. O neo-udenista de classe média é aquele que lê a Veja, aquele que gosta de ouvir o Arnaldo Jabor e suas palavras proparoxítonas que parecem inteligentes, é o pessoal que parece politizado e de fato são a cada dois anos. São aqueles que de tão críticos e analíticos se envergonham de assumir o voto no PSDB, mas quer ver o governo do PT derrotado. Gostam de coisas exclusivas, de falar de coisas exclusivas. Como vão fazer uma análise crítica sobre Tropa de Elite 2 se qualquer pé de chinelo pode ver o filme e discordar do que falaram? No segundo turno, os neo-udenistas de “direita” já estão engajados em eleger José Serra e os de “esquerda”, claro, votarão nulo.
E algum momento Marina Silva veio a público dizer que não queria crescer eleitoralmente com baixarias ou despolitização? Não, claro que não! Na verdade, ela não disse nada durante a campanha. Agora, depois de um breve ostracismo inicial, volta a ganhar destaque na mídia dizendo que ficará independente, mas independente de quem? Dos que pagavam o seu jatinho de cinqüenta milhões de dólares? Marina não entende ou não quer entender as diferenças entre os dois projetos que disputam o segundo turno? É no mínimo irresponsável. Agora que já não serve mais para a grande mídia será “+ 1” no ostracismo, ou vocês não lembram da Heloísa Helena? Como boa cristã, Marina deveria saber que não se serve a dois senhores ao mesmo tempo, que entre o quente e o frio, o morno é repugnante!
As pesquisas estão indicando que mais da metade dos eleitores de Marina Silva irão votar no José Serra. A soma do segundo e terceiro tipo de eleitor verde é maior do que o primeiro tipo. Na capa do último jornal Causa Operária está uma manchete que resume bem o quadro: “Votou Marina? Levou Serra”.