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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Dia 03 de outubro

O próximo período será marcado por uma polarização mais aguda na sociedade brasileira. Sem a presença do Lula, muitas vezes conciliador, na presidência a oposição política e social ao bloco democrático e popular não dará tregua um só minuto, sobretudo por meio da impresa, ao futuro governo da Dilma. Ademais, já ficou claro que a Dilma aproxima-se mais do Brizola do que Lula no que se refere à sua relação com a grande imprensa golpista e seus patrões.
A aliança que certamente elegerá a Dilma como a primeira mulher presidente do Brasil é muita ampla. Embora a candidatura do capital financeiro, grande imprensa, neoliberais, enfim, a alta burguesia nacional esteja no bloco PSDB/DEM, que deve ser derrotado com seus novos e velhos aliados em todas as unidades da federação, é verdade também que há muitos setores estranhos ao campo progressista pegando carona e preparando-se para tentar influenciar ao máximo o terceiro governo do PT pelas mesmas amarras institucionais que utiliza desde 2003.
Na disputa entre neoliberalismo e "desenvolvimentismo à esquerda" as alternativas que estão postas não conseguem mobilizar ou interferir no resultado das eleições. No Brasil, as eleições tem um papel de destaque na correlação de forças de luta de classes. Se houver alguma dúvida em quem votar no próximo domingo 03 de outubro escute o que dizem os labe-botas da elite separatista paulista. Quem a Veja, Estadão, Folha de São Paulo, Globo e seus lacaios querem derrotar? Essa pergunta é importante porque são esses setores os porta-vozes de nossos verdadeiros adversário de classe. Eles querem é derrotar o PT porque, mesmo na estágio mais social-democrata de sua história o PT é ainda fruto da organização popular, é a instituição que consegue ao mesmo tempo ter projeto claro de nação e manter vínculos com os setores mais organizados da classe trabalhadora.
O petismo não é o lulismo. O lulismo é mais amplo. Mas, quem pode trazer para si nessas eleições as esperanças e anseios do eleitorado lulista é o PT. Por essas e outras o PT é ainda o maior adversário da alta burguesia e a alta burguesa é quem nós queremos derrotar.
Neste pleito, como em outros, os companheiros do PCO, PSTU e PCB não conseguem aglutinar suficientemente e, na condição de partido de quadros, fazem a boa disputa de idéias a partir de seus programas. A extrema-esquerda sofre a dificuldade de apresentar um revolucionário em cenários de avanço e consolidação da democracia liberal. Em cenários de crises mais agudas, esses companheiros certamente teriam mais capilaridade social. A realidade do capitalismo avançado no ocidente é melhor entendida pela leitura de Antônio Grasmci, penso eu. As mesmas táticas e métodos da Russia de 1917 não funcionaram nem na Alemanha da mesmo época, imaginem no Brasil de 2010.
O PSOL é diferente. É um alternativa eleitoral ao PT, mas que já nasceu com o mesmo vícios e defeitos que PT demorou 20 anos para adquirir, a saber: personalismo, refém do calendário eleitoral e distante das bases sociais. Em 2006 a candidatura de Heloísa Helena foi muita bem aproveitada pela grande mídia porque fazia oposição ao PT de maneira mais eficaz do que o próprio PSDB. Ou vocês acham que a Heloísa Helena e o PSOL tiveram tanto espaço na mídia em 2006 em nome da democratização da comunicação. Plínio de Arruda Sampaio em 2010 teve bem menos espaço na mídia por duas razões: a) é bem mais qualificado que a Heloísa Helena, não se prestou ao papel de ser instumentalizado pelo PSDB, porque também batia no PSDB e não se rendeu ao discurso moralismo que agrada a nossa detestável classe média. Aliás, vocês lembram em quem a Heloísa Helena queria votar para presidente este ano? b) porque o "boi de piranha" da grande mídia em 2010 é a Marina Silva do PV, por que motivos iriam dar espaço ao PSOL se há uma candidatura bem mais próxima da "politizada" classe média? A propósito, viram quantas vezes a combativa Heloísa Helena apareceu no guia eleitoral do seu partido? Nenhuma, estava preocupada em fazer SUA campanha para que ELA voltasse ao senado.
A Marina Silva, do PV, em quem a Heloísa Helena queria votar para presidente era a aposta da grande mídia, mas como uma boa cristã da Assembléia de Deus é mais ponderada com baixarias. Teve todo o espaço na mídia, o apoio de Caetano Veloso, de Gabeira, teve como o vice-presidente o presidente da Natura, tudo perfeito. Mas, 2010 não é 2006. Lula tem 80% de aprovação. A "ecocapitalista", como bem conceituou Plínio, não tem projeto claro, não tem sal nem açúcar. Não bate no PT como a grande mídia queria. Apoia o PT no Acre, recebe apoio de anti-petista no Rio. Ainda assim, só haverá segundo turno se a Marina subir. Mesmo com sua incompetência para fazer o mal, Marina é a única chance do PSDB ir para o segundo turno.
Independente de quem esteja no governo federal , os movimentos sociais não devem abrir mão um só instante de suas bandeiras. Devemos eleger a Dilma para ampliar, melhorar e qualificar as mudanças iniciadas no governo do presidente Lula. É imperativo que a organização popular reafirme a sua independência, rejeite o neo-udenismo de esquerda e consiga pautar a agenda política do governo. Devemos eleger a Dilma para que o projeto desenvolvimentista que está ganhando do projeto neoliberal ganhe cada dia mais a cara do projeto democrático e popular, no qual negros, índios, mulheres, juventudes, trabalhadores e trabalhadoras buscam para si a condição de atores protagonistas na política do Brasil.
Por isso, neste dia 03 de outubro é Dilma presidente 13!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os apocalípticos

Por Valter Pomar

FHC não se conforma com a vitória de Dilma e adota um discurso cada vez mais cavernícula

Há nove candidaturas disputando a presidência da República: Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores: José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira; Marina Silva, do Partido Verde; Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL; José Maria de Almeida, do PSTU; Ivan Pinheiro, do PCB; José Maria Eymael, do PSDC; Levy Fidelix, do PRTB; e Rui Costa Pimenta, do PCO.

As seis últimas candidaturas, somadas, não alcançam 2% de intenções de voto nas pesquisas publicadas até agora. A candidatura de Marina Silva vem oscilando, dependendo da pesquisa e do momento, entre 5 e 10 pontos. As candidaturas de Dilma e Serra, somadas, chegam a 80% das intenções de voto.

No fundamental, este cenário eleitoral confirma a avaliação feita, já em 2009, segundo a qual a eleição presidencial seria marcada pela polarização PT versus PSDB; a candidatura Dilma viria em ascensão; a candidatura Serra se manteria estagnada, ainda que mantendo um apoio eleitoral significativo.

Mas o cenário deste setembro traz, também, uma novidade importante: a partir de agosto e até agora, a candidatura Dilma não interrompeu sua ascensão. O impacto psicológico disto, sobre as fileiras adversárias, foi tão grande, que a candidatura Serra começou a perder apoios. Ao mesmo tempo, não teve o êxito pretendido a operação financeira e midiática em favor da candidatura Marina, visando levar a eleição presidencial para o segundo turno. Resultado: discute-se abertamente a possibilidade de a eleição presidencial ser decidida já no primeiro turno, com a vitória de Dilma Roussef.

Mantra

Esta possibilidade existe e não devemos desperdiçá-la. Mas, para que se torne possível o que não é o mais provável, é essencial não subir no salto, nem baixar a guarda.

Afinal, embora a candidatura Serra esteja enfrentando dificuldades políticas, ela tem meios para fazer operações especiais que, como em 2006, podem levar a eleição para o segundo turno.

As dificuldades políticas da direita têm duas causas fundamentais. A primeira delas é muito simples: a maior parte do povo brasileiro está vivendo melhor e relaciona isto às políticas adotadas pelo governo Lula, com quem ademais mantém uma identidade de classe.

A segunda delas é mais complexa, embora não tanto: a oposição de direita propaga e em parte acredita que os êxitos do governo Lula estão baseados nos supostos êxitos do governo FHC.

Segundo Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC, o mesmo seria dito por “vozes sensatas” do PT, como Antonio Palocci (“os ganhos obtidos pelo Brasil a partir de 2003 se assentaram sobre avanços e resultados realizados em governos anteriores (…). Fazer tabula rasa destas contribuições seria atentar contra a própria história do País”) e Paulo Bernardo (“Não tenho dúvidas de que o Brasil evoluiu positivamente ao longo dos últimos 15 anos”).

Mas, apesar desses bolsões sensatos, a oposição sabe que o povo não pensa assim, até porque conhece os efeitos de uma e outra política no emprego e nos salários, por exemplo. E percebe que eventual evolução positiva se deu apesar das políticas tucanas, não graças a elas.

Como o povo rejeita a herança maldita, Serra evita defender o “legado FHC”, foge da comparação entre os dois governos e dá prioridade à tentativa de desconstituir a imagem de Dilma, apostando que assim conseguiria evitar a transferência de votos em favor da candidata do PT. Parece incrível, mas na cabeça de Serra, ele seria a “continuidade com segurança”.

Registre-se que Marina e Plínio também embarcaram na tentativa de desconstituir Dilma.

A candidata verde disse o seguinte, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Nós conhecemos o presidente Lula, a gente conhecia o Fernando Henrique Cardoso, a gente conhece o Serra – eu discordo dele, mas conheço. O povo pode até discordar de mim, mas me conhece. Eu estou aí há 16 anos na política nacional. Mas, com todo respeito à ministra Dilma, nós não conhecemos ela nesse lugar de eleita. Conhecemos como ministra de Minas e Energia, da Casa Civil e até respeitamos o trabalho dela, mas daí a ser presidente da República?”

O candidato do PSOL, durante um debate promovido pela rede Canção Nova, disse que “toda a comunidade cristã conhece ao Serra, a mim e à Marina”. Já Dilma foi classificada como uma “incógnita, que foi inventada pelo Lula”.

Como era de se esperar, a operação de desconstituição promovida por Serra e seus aliados é mais violenta: inclui tratar Dilma como grosseira e autoritária (como fizeram os apresentadores do Jornal Nacional), apresentá-la como violenta terrorista (técnica adotada especialmente na internet), adepta do jogo sujo (dossiês, quebras de sigilo), tecnocrata, centralizadora e tudo mais, inclusive o contrário disto tudo: uma candidata inventada, um preposto de Lula.

A polêmica em torno da quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, Eduardo Jorge e outros faz parte deste contexto. Há fortes indícios de que a operação fez parte da disputa interna no tucanato, entre Serra e Aécio. Mas sua repercussão atual, na qual se atribui ao PT a iniciativa, cumpre um triplo papel: tentar levar a disputa presidencial para o segundo turno; reunir elementos para questionar legalmente a candidatura Dilma; e colocar em questão a legitimidade de nossa vitória, seja no primeiro, seja no segundo turno.

Serra, setores do Judiciário e dos meios de comunicação estão envolvidos nesta operação. Motivo adicional para não baixarmos a guarda: lembrar de 2006 deve ser repetido como mantra.

Futuro

Exceto por uma reviravolta imponderável, Dilma será eleita presidenta da República, seja no primeiro, seja no segundo turno. A questão estratégica é saber qual o conteúdo programático: o que esta vitória projeta para o futuro?

Ao longo da campanha, Dilma afirmou um compromisso, composto de duas ações articuladas: continuar é continuar mudando. Por diversas razões, o acento principal foi na continuidade; e o tema das mudanças acabou ficando em segundo plano.

A campanha tratou de forma defensiva temas importantes como a reforma política, a reforma tributária e a democratização da comunicação social, para ficar apenas nestes casos. Isto, mais a composição da coligação, apontam para um governo mais comprometido com a continuidade, sem que fique claro no que vamos continuar mudando.

Claro que continuar mudando dependerá e muito da correlação de forças que emergirá das urnas: a composição do Senado, da Câmara, dos governos estaduais e das assembléias legislativas. Visto de agora, tudo indica que teremos uma maioria governista, mas não teremos uma maioria de esquerda (entendendo por isto basicamente o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT).

Este é um dos motivos pelos quais devemos fazer de tudo, nesta reta final de campanha, para fortalecer o desempenho do PT, de nossas candidaturas a governador, ao Senado, à Câmara e às Assembléias estaduais.

Outras variáveis vão incidir na conduta do próximo governo. Uma destas variáveis é a conjuntura internacional, que segue combinando elementos de crise econômica prolongada e provocações militares por parte dos Estados Unidos. Outra das variáveis é a postura das oposições. Já vimos, em 2005, como uma atitude da oposição pode influenciar a postura do governo.

À luz das eleições de 2010, o que podemos dizer sobre o que farão as oposições ao longo dos próximos anos?

A oposição de esquerda, ao que tudo indica, colapsou. A aposta que fizeram no fracasso do governo Lula, no desmanche do PT, num discurso para-udenista, não rendeu frutos eleitorais, nem conseguiu construir um pólo social de oposição. Pelo contrário: em diversos momentos aliaram-se à oposição de direita, enfraqueceram as posições de esquerda no interior do PT e acabam passando para a sociedade uma imagem caricatural do socialismo, prejudicando mais do que ajudando as posições de esquerda.

Se a oposição de esquerda colapsou, a oposição de direita está em surto, como se depreende da leitura dos trechos abaixo, parte de textos escritos recentemente por colunistas eleitores de Serra:

“A quebra do sigilo é um aviso de que o Estado democrático de Direito está em crise de que um Estado totalitário se aproxima”

(Ricardo Caldas, Folha de S. Paulo, 8 de setembro)

“O lulismo desqualifica a política. E abre caminho para o autoritarismo.”

(Marco Antonio Villa, Folha de S. Paulo, 8 de setembro)

“(…) uma entidade institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo (…) a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos (…) controle social da mídia é eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição de censura prévia” (…) Estamos nas “cercanias de um regime autoritário” (…) “chavismo branco” ou “regime mexican style” (…)

(Bolívar Lamounier, O Estado de São Paulo, 24 de agosto)

“Estão criadas as condições para o surgimento de uma versão brasileira –com duas faces, a do PT e a do PMDB — da “ditadura perfeita” vivida pelo México décadas a fio sob o controle do PRI.”

(Editorial do jornal O Estado de São Paulo, 24 de agosto)

A declaração mais recente nesta linha foi dada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que no dia 14 de setembro teria afirmado (segundo divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo) que o presidente Lula virou “um militante e um chefe de uma facção”, o que (segundo FHC) “extrapola o limite do estado de direito democrático”.

Se realmente FHC disse o que a Folha lhe atribui, baixou nele um espírito cavernícula: “Faltou quem freasse o Mussolini. Alguém tem que parar o Lula”. Pelo visto, o tucano resolveu brincar com fogo, pois é difícil imaginar um significado inocente para a expressão “parar o Lula”.

Se mantiver este discurso, esta oposição apocalíptica cumprirá um papel político importante, mas só terá chances eleitorais em 2012 e 2014 se a situação econômico-social desandar completamente. Motivo pelo qual é provável que a direita social (ou seja, o grande empresariado e os setores médios conservadores) aposte suas fichas no PMDB, que já se ofereceu inclusive para abrigar Aécio Neves.

Neste sentido, precisamos ter um olho no peixe e outro no gato. E, não importa qual seja o resultado da eleição congressual, para reduzir as chances de que o aliado de hoje se torne o inimigo de amanhã, o PT deve dar mais organicidade à sua relação com os demais partidos de esquerda (PCdoB, PSB, PDT). Há quem defenda, até, a constituição de uma “frente ampla” semelhante à que existe no Uruguai.

E o que será do PT, neste contexto? Sobre isto, há muito o que debater e reformar. Apenas como aperitivo, podemos apontar duas incógnitas e duas certezas.

As incógnitas são: que papel Lula terá no próximo período; e que organicidade terá a relação entre a companheira Dilma, uma vez eleita presidente, e seu Partido?
As certezas são: o Partido dos Trabalhadores sairá desta eleição mais importante e mais desenvolvimentista do que entrou.

Vale lembrar que o PT surgiu em 1980, criticando não apenas a ditadura, mas também o desenvolvimentismo, apresentando uma alternativa democrático-popular e socialista. Já em 2002, o programa com que Lula disputou as eleições foi de transição para o pós-neoliberalismo. Entre 2003 e 2005, esta transição foi contida e dominada pelos social-liberais, sob comando de Antonio Palocci. Mas a partir de 2005 e até hoje, os setores desenvolvimentistas vêm ganhando espaço. A tal ponto que, recentemente, até mesmo candidatos da esquerda petista incluíram, em seu material de propaganda, a defesa de um “modelo econômico centrado no capitalismo produtivo”.

Claro que é melhor um partido hegemonizado por desenvolvimentistas, do que por social-liberais. Mas sem reformas estruturais, o desenvolvimentismo brasileiro será sempre conservador (ou seja, para cada ganho dos de baixo, muito mais ganho nos de cima). Em nosso país, 20 mil famílias controlam 46% da riqueza; 1% controla 44% das terras; 59% não tem acesso à esgoto e água tratados! E, desenvolvimentista ou não, o capitalismo será sempre… capitalista.

Para mudar esta situação, precisamos fazer reformas estruturais: reforma tributária, para que os ricos paguem impostos; reforma urbana, para que todos possam morar bem; reforma agrária, para que os alimentos sejam cada vez mais baratos; reforma política, para que os mandatos não sejam comprados, nem vendidos; democratização da comunicação, para que haja informação de qualidade; sistema único de saúde e educação pública e gratuita, retirando estas e outras ações da esfera mercantil.

Noutras palavras: neste PT mais importante que emergirá das eleições de 2010, continua sendo indispensável uma forte esquerda socialista, que defenda reformas estruturais, que compreenda o papel estratégico da luta social e do próprio Partido.

Por isto, nesta reta final, além de não baixar a guarda, ampliar a votação do PT, dar organicidade ao campo democrático-popular, é também fundamental ampliar a votação e o número de parlamentares comprometidos com continuar mudando. Mudando muito e rápido.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT

In: http://pagina13.org.br/?p=4169

O futuro da esquerda

Por Wladimir Pomar

O fim da civilidade, decretado pela direita tucano-pefelista, neste último mês de campanha, está trazendo à luz pelo menos três aspectos da realidade brasileira.

Primeiro, a natureza reacionária e antidemocrática dos novos representantes políticos da burguesia financeira e da burguesia agrária. Segundo, a oposição de grandes parcelas das camadas populares e das classes médias a tal reacionarismo. E, terceiro, as clivagens da esquerda diante dessa polarização.

A nova direita política é, em grande parte, formada por parcelas oriundas da intelectualidade política democrática e de esquerda que se defrontou com a ditadura militar. No curso da emergência das lutas operárias e populares e da formação do PT, assim como da ofensiva ideológica e política do neoliberalismo, muitos de seus membros se transformaram no oposto do que representaram no passado.

Com isso, repetem uma experiência histórica peculiar da esquerda brasileira, que teve em Carlos Lacerda seu expoente mais significativo. Quem conheceu esse personagem da história brasileira certamente se lembrou dele ao assistir ao candidato Serra deblaterando sobre a suposta tolerância de Lula com “quem rouba”, e qualificando a candidata Dilma de “envelope fechado”. A grande desvantagem de Serra é que não tem a oratória de Lacerda, nem um ambiente de conspiração militar generalizada. Mas a natureza golpista e reacionária é a mesma.

Essa truculência tucano-pefelista também está colocando em evidência algo que uma parte da esquerda se nega a ver. Isto é, que grandes massas do povo brasileiro consideram as atuais eleições como um acerto de contas com a herança de FHC e depositam uma firme confiança em Lula e no PT. Ou seja, além de encararem as atuais eleições como polarizadas e plebiscitárias, grandes parcelas do povo estão convictas de que as mudanças implantadas pelo governo Lula, mesmo contendo erros e problemas, relacionados ou não com suas alianças políticas, apontam para um caminho seguro de transformação social e política.

Uma parte da chamada esquerda democrática se encontra perdida na enseada tucano-pefelista, sem se dar conta de que está dormindo com o inimigo. É doloroso ver candidatos dessa esquerda, com discursos de mudanças democráticas e populares, sendo apresentados por FHC, Serra, César Maia e outros personagens que quase quebraram o Brasil e levaram o povão ao desemprego e à miséria.

A parte da esquerda que se considera revolucionária está na oposição. Embora procure se distanciar da direita que também é oposição, seu inimigo principal e alvo de seus ataques tem sido o governo Lula e a esquerda que apóia Dilma. Na prática, o povão acaba confundindo-a com seus inimigos de direita.

A maior parte da esquerda, que apóia Dilma, também se debate diante da realidade complexa do país. Isto parece ser mais evidente dentro do PT, onde havia uma corrente que pregava abertamente a impossibilidade de uma eleição polarizada e trabalhava para construir pontes com o tucanato. A evolução da campanha eleitoral, apesar da ausência de ataques petistas ao tucanato, está demonstrando que aquela corrente estava totalmente enganada, pelo desconhecimento da natureza antidemocrática e reacionária do tucano-pefelismo.

Também é dentro do PT que continuam se apresentando brechas relacionadas com a tibieza em adotar procedimentos ideológicos, políticos e organizativos condizentes com um partido de esquerda que quer transformar o Estado e a sociedade. Um partido desse tipo não pode ter aloprados, filiados facilmente cooptáveis por dinheiro fácil, nem agentes infiltrados que possam navegar tranqüilamente por suas fileiras. Se o PT não adotar procedimentos que o blindem contra os arrivistas e oportunistas que procuram fazer carreira em qualquer partido que seja governo, aquelas brechas podem se tornar voçorocas, deixando-o indefeso diante das armações que tendem a crescer nas disputas institucionais.

Nessas condições, a vitória do PT e Dilma não representará apenas um acerto de contas com a ideologia e as políticas neoliberais, condensadas na candidatura Serra. Nem apenas um impacto muito sério na esquerda que se aliou à direita, formal ou informalmente, nos ataques ao governo Lula e à candidatura Dilma. Ela deverá representar também uma reestruturação ideológica, política e organizativa do PT, se esse partido quiser enfrentar com sucesso os desafios para aprofundar as mudanças democráticas, econômicas e sociais que as camadas populares reclamam.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

In: http://pagina13.org.br/?p=4174