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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Silêncio de biblioteca

As bibliotecas erguem-se como oásis em nosso meio. Em um mundo tão rápido, e também por isso extremamente superficial, as bibliotecas são uma charmosa resistência às facilidades do mundo virtual. São um espaço para a calma, a leitura sem pressa, a reflexão...

O silêncio de biblioteca é muito caro, diria caríssimo, àqueles que apreciam a boa leitura, que gostam de pensar e escrever... A propósito, ler, pensar e escrever são costumes de "pessoas estranhas" ignoradas e incompreendidas porque preocupam-se em adquirir mais conhecimento, em não se contentar com as migalhas de formação e informação a elas oferecidas. Que coisa! Não deveriam contentar-se com o Jornal Nacional?

Pois é! As "pessoas estranhas" são aquelas que, às vezes, fazem "psiuuu" pedindo o seu silêncio. Os que amam o silêncio de biblioteca tremem de indignação aos se depararem com alguns exemplares da espécie humana que deveriam habitar em algum zoológico e são irresponsavelmente soltos de vez em quando. Refiro-me aos sem educação e "sem noção" que conversam alto nas bibliotecas, escutam músicas nas bibliotecas, fazem lanchinhos com detestáveis sacos plásticos barulhentos nas bibliotecas, ficam desrespeitosamente descontraídos e, aos risos, em numerosos grupos nas bibliotecas. Enfim, aqueles que acham que o espaço público é a extensão da sala de suas casas. Ou seria jaula? Essa confusão entre público e privado é o germe de toda corrupção. Então, se você faz barulho em biblioteca não reclame de político corrupto. Ambos, ele e você, não respeitam a finalidade da coisa pública.

Façamos um movimento radical em defesa do silêncio de biblioteca! Vivemos numa sociedade em que pensar dá preguiça, dá sono, dá vontade de ir ao banheiro... Somos treinados ao entretenimento alienante do futebol e da novela. Portanto, não deixemos que as bibliotecas virem shopping centers ruidosos! Que possamos fazer muito barulho! Que possamos gritar! Que possamos nos fazer ouvir, mas nas ruas! Viva ao silêncio de biblioteca!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Domingo à noite

O domingo à noite é uma madrugada perene. É quando nos lembramos da época do colégio ou daquele desespero que tomava conta da gente quando terminava o fim de semana e haveria o retorno ao colégio na segunda-feira seguinte. Domingo à noite tem cheiro de nostalgia e gosto de "já acabou?". A trilha sonora do domingo à noite é aquela musiquinha do final do Fantástico ou as do programa do Silvio Santos, que são o exórdio de nosso sono a contra-gosto.
No domingo à noite a solidão é democratizada. Todos pensamos no que deveríamos ter feito e no que queremos fazer. Fazemos planos e tentamos programar alguns sonhos. Já deitados, na cama ou no sofá, lembramos de pessoas, de ocasiões, de textos a serem lidos, de coisas a serem ditas, de antigos comerciais de TV, de cenas de filmes ou de novelas, de músicas e de lugares...
O domingo à noite é uma "cabeça ao travesseiro". As nossas máscaras ou personas ganham folga também. Jantamos as sobras do almoço ou comemos pizza. No último turno do primeiro dia da semana sentimos, muitas vezes, algum medo do desconhecido futuro, ou, simplesmente capotamos de tão cansados da praia ou da farra dos dois turnos anteriores. Como mentimos para nós mesmos nos domingos à noite, dizendo "amanhã começo!" E o pior, geralmente acreditamos!
O som do silêncio do domingo à noite é envolvente. Na rádio tocam músicas antigas que nos fazem viajar no tempo... O superego fica mais frágil. A imaginação, mais fértil. Sempre procuramos os nossos motivos... Para alguns, esse período é extremamente inquientante, porque, inevitavelmente, sempre nos encontramos com quem de fatos somos. Espera o próximo domigo à noite para você ver...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Semente do Mal

Nos anos 80 a Filmation Studios, sob encomenda da Masters of the Universe, criou um desenho animado que fez muito sucesso no Brasil: He-Man. Vivendo em Eternia, um planeta com características medievais, mas com avançadas tecnologias, He-Man, o alterego do príncipe Adam, representava o bem e o Esqueleto, representava o mal. Eram como água e oléo. Até que em um episódio aparece outro personagem chamado de Semente do Mal: um homem-planta que distribuía sementes daninhas aos agricultores de Eternia.

Quem está perto dos 30 anos ou já passou um pouquinho desta idade pôde cantar os versos do Trem da Alegria: “Eu tenho a força/ Sou invencível/ Vamos amigos/ Unidos venceremos a Semente do Mal”. Sim, houve uma única vez em toda a história em que He-Man e o Esqueleto estiveram juntos: para derrotar Semente do Mal.

Apenas a ascensão de uma força tão maligna, como o nazismo ou fascismo, pode justificar uma aliança entre forças tão antagônicas. E como no desenho animado, sempre de forma pontual, passageira e extremamente rara. Penso que alianças eleitorais entre forças tão distintas, em plena vigência das regras do jogo democrático, é uma nova Semente do Mal, de tão esdrúxulas que são.

Espera-se que a democracia seja fortalecida com o debate entre idéias, com a formação política, a clareza de projetos, a transparência de legítimos interesses. Alianças entre “esquerda” e “direita” apenas reforçam a idéia de que tudo é mais do mesmo, que não adianta acreditar na política e camuflam interesses particulares, colocando o privado acima do público. São daninhas para a democracia estas alianças porque, em longo prazo, levam à desmoralização da política e dão margem para saídas autoritárias.

No caso do Brasil há um detalhe em nível federal que é o que Sergio Abranches chamou de presidencialismo de coalizão. Temos um sistema presidencialista com elementos parlamentaristas. O presidencialismo venceu em 1993 em plebiscito. O fato é que o presidente da República não consegue governar sem maioria no Congresso e esse Congresso é marcado por forte presença conservadora.

Acredito que uma estratégia de esquerda deve criar situações em que não se fique refém desta necessidade de governabilidade. Deve sim buscar sua sustentação nas mobilizações e organizações populares. Precisamos criar uma nova institucionalidade que nos permita resolver problemas históricos, como a reforma agrária e monopólio dos meio de comunicação. Essa nova institucionalidade não será construida a partir de alianças com os mesmos que fizeram essa democracia sem povo no Brasil. A candidatura do PT deveria buscar fortalecer-se a partir do bloco democrático e popular. Portanto, a saída é sempre pela esquerda.

Nos Estados então, não há nenhuma justificativa para alianças espúrias, a não ser os projetos pessoais de novos Esqueletos, que criam novas Sementes do Mal. O Esqueleto era obcecado pelo poder e fazia de tudo para chegar ao Castelo de Grayskull.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Na prática a teoria é outra

Quem de nós nunca teve o prazer de conversar com um esquerdista? Que fique claro que me refiro aos descendentes intelectuais daquele pessoal sobre quem Lênin escreveu no ensaio “esquerdismo: doença infantil do comunismo” em 1920. O desvio ideológico à esquerda acontece quando simplesmente se ignora completamente a direita.

O termo “esquerda” pode confundir mais do que explicar, sendo hoje um grande “guarda-chuva”. Porém, podemos partir do pressuposto que a esquerda não aceita a desigualdade social e por isso busca a justiça social. Essa definição não é minha, sim do Atílio Boron em “Gobiernos progresistas en debate”. Outro critério para entender o que é esquerda, também apresentado por Boron, é a observação do comportamento da direita. O governo do presidente Chávez, por exemplo, encontra dificuldade para ser conceituado como sendo de esquerda a partir das categorias de análise da tradição marxista, mas combate as injustiças sociais e unifica toda a direita contra ele. Logo, de acordo com esses critérios, é de esquerda.

Assim, um fator fundamental na análise de conjuntura é a correlação de forças na luta de classes, como ela se apresenta, que armas são utilizadas e quais os sujeitos sociais mais mobilizados. Os nossos atuais esquerdistas adoram radicalizar no discurso, entretanto ignoram completamente, muitas das vezes, esses elementos. Nem vou me referir às suas práticas, repletas de vícios que dizem combater: cupulismo, personalismo, autoritarismo, distanciamento das bases, etc.

O movimento estudantil universitário é um capítulo à parte para os esquerdistas. Muitos parecem ignorar o mundo que há para além das cercas das universidades. Alguém pode ter a impressão de que é classe média brincando de “maio de 68”, se sentindo charmosamente revolucionária. Proletários de todo o mundo, desconfiai da classe média!

Então quem puder, favor avisar aos esquerdistas o seguinte: as mesmas forças sociais que apoiaram o golpe de Estado cívio-militar em 1964 ainda têm muita força atualmente. Importantes espaços de força política atualmente se encontram nas mãos dessas mesmas forças, como o governo do Estado de São (segundo maior orçamento do país, ficando atrás apenas da própria União), o Congresso Nacional e sua capacidade de trancar a agenda política do executivo, o Judiciário, uma escandalosa aristocracia militante. Falta ainda contabilizar a grande mídia que faz o papel de porta voz da direita. Quer saber quem é a esquerda? A Veja nem tem dúvidas!

Assim como Narciso, o esquerdista acha feio tudo o que não é espelho. Se a realidade contradiz a sua teoria, então a realidade está errada! A única organização de esquerda coerente é a dele, a crise mundial, apatia e acomodação da classe trabalhadora e até o aquecimento global ocorrem porque o mundo ousa em não ouvi-lo.



quinta-feira, 6 de maio de 2010

Discurso de Friedrich Engels no funeral de Karl Marx

“Em 14 de março, quando faltam 15 minutos para as 3 horas da tarde, deixou de pensar o maior pensador do presente. Ficou sozinho por escassos dois minutos, e sucedeu de encontramos ele em sua poltrona dormindo serenamente — dessa vez para sempre.

O que o proletariado militante da Europa e da América, o que a ciência histórica perdeu com a perda desse homem é impossível avaliar. Logo evidenciará-se a lacuna que a morte desse formidável espírito abriu.

Assim como Darwin em relação a lei do desenvolvimento dos organismos naturais, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da História humana: o simples fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que portanto a produção imediata de víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a parir do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se desenvolve, na ordem em elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos.

Isso não é tudo. Marx descobriu também a lei específica que governa o presente modo de produção capitalista e a sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia iluminaram-se subitamente esses problemas, enquanto que todas as investigações passadas, tanto dos economistas burgueses quanto dos críticos socialistas, perderam-se na obscuridade.

Duas descobertas tais deviam a uma vida bastar. Já é feliz aquele que faz somente uma delas. Mas em cada área isolada que Marx conduzia pesquisa, e estas pesquisas eram feitas em muitas áreas, nunca superficialmente, em cada área, inclusive na matemática, ele fez descobertas singulares.

Tal era o homem de ciência. Mas isso não era nem de perto a metade do homem. A ciência era para Marx um impulso histórico, uma força revolucionária. Por muito que ele podia ficar claramente contente com um novo conhecimento em alguma ciência teórica, cuja utilização prática talvez ainda não se revelasse – um tipo inteiramente diferente de contentamento ele experimentava, quando tratava-se de um conhecimento que exercia imediatamente uma mudança na indústria, e no desenvolvimento histórica em geral. Assim por exemplo ele acompanhava meticulosamente os avanços de pesquisa na área de eletricidade, e recentemente ainda aquelas de Marc Deprez.

Pois Marx era antes de tudo revolucionário. Contribuir, de um ou outro modo, com a queda da sociedade capitalista e de suas instituições estatais, contribuir com a emancipação do moderno proletariado, que primeiramente devia tomar consciência de sua posição e de seus anseios, consciência das condições de sua emancipação – essa era sua verdadeira missão em vida. O conflito era seu elemento. E ele combateu com uma paixão, com uma obstinação, com um êxito, como poucos tiveram. Seu trabalho no ‘Rheinische Zeitung’ (1842), no parisiense ‘Vorwärts’ (1844), no ‘Brüsseler Deutsche Zeitung’ (1847), no ‘Neue Rheinische Zeitung’ (1848-9), no ‘New York Tribune’ (1852-61) – junto com um grande volume de panfletos de luta, trabalho em organização de Paris, Bruxelas e Londres, e por fim a criação da grande Associação Internacional de Trabalhadores coroando o conjunto – em verdade, isso tudo era de novo um resultado que deixaria orgulhos o seu criador, ainda que não tivesse feito mais nada.

E por isso era Marx o mais odiado e mais caluniado homem de seu tempo. Governantes, absolutistas ou republicanos, exilavam-no. Burgueses, conservadores ou ultra-democratas, competiam em caluniar-lhe. Ele desvencilhava-se de tudo isso como se fosse uma teia de aranha, ignorava, só respondia quando era máxima a necessidade. E ele faleceu reverenciado, amado, pranteado por milhões de companheiros trabalhadores revolucionários – das minas da Sibéria, em toda parte da Europa e América, até a Califórnia – e eu me atrevo a dizer: ainda que ele tenha tido vários adversários, dificilmente teve algum inimigo pessoal.

Seu nome atravessará os séculos, bem como sua obra!”

Fonte: http://pagina13.org.br/?p=2003

Direita, eu?

Por Leandro Fortes

Chega a ser engraçado essa coisa de, no Brasil, ninguém ser de direita. Por aqui, alguém só se diz de direita quando quer chocar ou demonstrar certa ferocidade política e pessoal do tipo “sou de direita mesmo, vai encarar?”. Coisa de cabo eleitoral da TFP e bestas-feras do gênero. Mas a regra é diferente. Quem é de direita só abre a boca quando percebe receptividade no ambiente. Mais ou menos como quem é racista. Normalmente, para se identificar alguém de direita é preciso observar o conjunto dos atos e o tom do discurso, uma mistura de falsa simulação ideológica que inclui, necessariamente, a negação das divisões políticas ou, no limite, a própria negação da política. Dessa forma, ao ser questionado sobre pendores ideológicos, o indivíduo de direita se sai sempre com o clichê da queda do muro de Berlim – embora a maioria apenas desconfie, ligeiramente, do verdadeiro significado do evento e do processo que o deflagrou. Depois da queda do muro de Berlim, portanto, não tem mais direita nem esquerda, é tudo muito relativo. Outra saída é dizer que odeia política, que é apolítico (?), que político é tudo canalha, que não vai mais dar o voto para ninguém. Mentira: vai votar na direita.

No Brasil, há casos clássicos de políticos e intelectuais que migraram para a direita, um pouco pelo desencanto do comunismo, pela perda natural dos ideais que a idade provoca, mas muito pela oportunidade de ficar rico ou fazer parte da elite nacional que toma uísque escocês e freqüenta balneários de luxo, ainda que forma subalterna e humilhante. Não é preciso citar nomes, mas muitos pululam pelos parlamentos, partidos políticos e redações de jornais. Pergunte a qualquer deputado ou senador se ele é de direita, e não vai aparecer nenhum. Todo mundo tem uma desculpa para não ser de direita, mesmo os mais conservadores e reacionários, mesmo as viúvas da ditadura militar, mesmo os risíveis neodemocratas de plantão. Todos vão dizer que esquerda e direita não existem mais. Que depois da queda do muro de Berlim, etc,etc,etc.

A verdade é que ninguém quer se admitir de direita porque, no Brasil, ou em qualquer outra nação latino-americana que tenha sido submetida a regimes neofascistas comandados por generais, ser de direita tem pouco a ver com a clássica postura liberal econômica ou com a defesa das leis de mercado. Tem a ver é com truculência, violência, racismo, fundamentalismo religioso, obscurantismo político, coronelismo, ódio de classe e, é claro, golpismo. Por isso há tão poucos direitistas assumidos. Assim, de cabeça, aliás, não lembro de nenhum. Ah, de repente me lembrei de uma confissão antológica do ex-deputado Wigberto Tartuce, o Vigão, parlamentar do PTB brasiliense, de riquíssimo prontuário policial, temeroso de ser confundido na multidão: “Eu sou de direita, mas sou honesto”. Até agora, a única confirmação das autoridades policiais é a de que Vigão é mesmo de direita.

Leandro Fortes – Jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Também mantém um blog chamado Brasília, eu vi (http://brasiliaeuvi.wordpress.com/)

Fonte: http://pagina13.org.br/?p=1820