Páginas

terça-feira, 24 de maio de 2011

Encontro em Manágua foi um dos mais representativos, diz Valter Pomar

Por Geraldo Magela Ferreira (23/05/11)


A 17ª Reunião do Foro de São Paulo, que ocorreu entre os dias 18 a 20 de maio, em Manágua, contou com a participação de 640 delegados de 48 partidos membros de 21 países, além de 33 convidados de 29 partidos de 15 países na África, Ásia e Europa. Durante o encontro, que teve também a participação do ex-presidente Lula, foram aprovadas diversas resoluções, além da Declaração Final. O documento é o resultado dos debates ocorridos nos três dias de trabalho e demonstra o posicionamento do Foro com relação à atual conjuntura internacional. A declaração condena o ataque da Otan à Líbia, exige libertação dos “Cinco Heróis” antiterroristas cubanos presos nos cárceres dos Estados Unidos e manifesta apoio ao retorno do presidente Manuel Zelaya a Honduras, entre outros temas importantes.


O secretário-executivo do Foro de São Paulo e dirigente nacional do PT, Valter Pomar, em entrevista ao Portal do PT, fez uma avaliação política da 17ª Reunião do FSP em Manágua e dos grandes debates em torno de temas importantes a respeito da atual conjuntura política no nosso continente e no mundo.


Leia a íntegra da entrevista:


1 – Qual a sua avaliação da 17ª Reunião do Foro de São Paulo que ocorreu em Manágua? Superou as expectativas dos participantes?


Valter Pomar - O XVII Encontro do Foro de São Paulo contou com a participação de 640 delegados de 48 partidos, de 21 países da América Latina. Além disso, tivemos 33 convidados de 29 outros partidos, vindos da África, Ásia e Europa. Deste ponto de vista, foi um dos mais representativos. A Frente Sandinista de Libertação Nacional, que foi a organização anfitriã desta edição do Foro de São Paulo, ficou muito satisfeita com o resultado, que certamente terá influência positiva na eleição presidencial nicaraguense.


2 – Como foi a participação do ex-presidente Lula no segundo dia de realização da reunião do Foro e qual foi a repercussão interna e externa do seu pronunciamento?


A presença de Lula foi muito festejada pelos participantes. Afinal, além de ex-presidente da República e dirigente do PT, ele é um dos fundadores do Foro. Publicamente, foi uma manifestação de apoio ao Foro de São Paulo e, com todos os cuidados diplomáticos que se deve adotar nestes casos, foi também um apoio de fato às candidaturas de Daniel Ortega e de Ollanta Humala, que esperamos saia vitorioso da eleição presidencial peruana, no próximo 5 de junho.


3 – Você havia declarado antes da reunião do Foro uma certa preocupação com relação aos perigos que rondam a esquerda na América Latina. Que perigos são esses? O Foro debateu o assunto com profundidade?´


Os grupos de discussão e as reuniões das três secretarias regionais (Cone Sul, Andino-Amazônica e Meso-america e Caribe) discutiram melhor este problema. Mas nas grandes plenárias tivemos demasiada retórica. Existem dois pontos principais a considerar. Primeiro: a situação internacional está muito complicada e muito perigosa. Estados Unidos e Europa, para tentar superar a crise internacional e o declínio de sua hegemonia, estão adotando a via da porrada. Ou seja: mais neoliberalismo, mais conservadorismo, mais guerra. O segundo ponto é o seguinte: na América Latina, há uma situação de equilíbrio muito instável. Para alguns, o copo está meio cheio, a nosso favor, afinal vencemos as eleições no Brasil, Uruguai, Equador etc. Para outros, o copo está meio vazio, a favor deles: afinal, a direita venceu as eleições no Chile, tivemos o golpe em Honduras etc. Na minha opinião pessoal, carecemos de uma análise mais fina do processo como um todo. Seja como for, exatamente porque vivemos um processo de equilíbrio instável, a eleição peruana joga um papel decisivo para decidir o curso geral dos acontecimentos.


4 – O documento aprovado pelo Foro nesta reunião demonstra uma grande preocupação com as ações cada vez mais agressivas do imperialismo mundial. Qual a posição do Foro com relação aos conflitos nos países árabes e a intervenção militar da OTAN na Líbia?


O Foro avalia positivamente as rebeliões populares, com destaque para o ocorrido no Egito e na Tunísia. O grande problema do Oriente Médio está na aliança entre ingerência externa e governos conservadores. O melhor exemplo disto era a relação existente entre EUA-Egito-Israel. A queda do governo Mubarak gerou uma nova situação, tanto interna quanto externa, favorecendo a aliança entre Hamas e Fatah, criando assim melhores condições para o povo palestino lutar por seus direitos. A partir desta avaliação no geral positiva, o Foro lembrou do outro lado da medalha: o imperialismo não assiste passivo à queda dos seus aliados. A ingerência da Otan no conflito líbio é o melhor exemplo disto. Independente do que cada partido pensa sobre o governo Gadafi –e sobre isto há grandes diferenças–, nenhum de nós acredita que a solução virá através de uma intervenção das potências.


5 – O presidente dos EUA, Barak Obama, em seu discurso na semana passada defendeu a criação de um Estado Palestino com base nas fronteiras anteriores à guerra de 1967 entre árabes e israelenses. Qual a proposta do Foro para a busca da paz naquela região do Oriente Médio?


Sobre isto, a posição do Foro coincide com a posição do Partido dos Trabalhadores: convivência entre os dois Estados, fim da ocupação, paz. Agora, quanto aos discursos de Obama, são de dois tipos: as vezes ele faz o discurso errado, as vezes é apenas discurso.


6- A Declaração Final da 17ª Reunião do Foro de São Paulo manifesta apoio às mudanças que estão sendo implementadas pelo governo de Daniel Ortega na Nicarágua. Qual a sua avaliação dessas medidas e qual o impacto delas no povo nicaragüense?


A Nicarágua tem uma história muito especial. Os sandinistas chegaram ao poder através da luta armada, em 1979. Perderam as eleições em 1990 e aceitaram o resultado. Passaram uma década e meia na oposição. Ganharam novamente as eleições e governam uma Nicarágua mais difícil, econômica e socialmente, do que ela era em 1979. É neste contexto que se deve analisar as políticas sociais do governo Ortega.


7 – Com relação a Honduras, inclusive no que se refere à situação do ex-presidente Manuel Zelaya, qual foi a posição tirada na reunião em Manágua?


A posição é: apoiar as negociações, que salvo alguma contratempo, permitirão que Zelaya volte ao país até o final deste mês. Trata-se, é bom dizer, de uma importante concessão, feita com o objetivo de buscar uma saída pacífica para o conflito hondurenho. A dúvida é saber se todos os golpistas vão fazer a sua parte ou se alguns setores vão tentar endurecer o jogo.


8 – E sobre o conflito interno na Colômbia envolvendo o governo e as Farc?


O Foro segue com a mesma posição: apoiar o Pólo Democrático Alternativo e defender uma saída pacífica negociada para o conflito armado. A novidade é que o atual governo colombiano está alterando sua retórica, abandonando a linguagem de Uribe. Devagarzinho, o atual presidente Santos está reconhecendo que não se trata nem de terrorismo, nem de crime organizado, mas sim de uma guerrilha. Esta mudança de retórica tem várias causas, entre elas a normalização nas relações com a Venezuela e a percepção, por parte de setores do grande capital colombiano, de que talvez seja melhor participar da integração sulamericana, do que ser o Israel da América Latina. Agora, existe um aspecto muito negativo na conjuntura colombiana, que é a tentativa de enfraquecer e dividir o Pólo Democrático.


9 – Por que a escolha da Venezuela para sediar a 18ª Reunião do Foro de São Paulo, que ocorrerá em julho do ano que vem? Qual a posição do presidente Hugo Chávez com relação ao Foro de São Paulo?


Esta é uma das duas melhores notícias deste XVII Encontro. Durante anos, o Partido Socialista Unido da Venezuela manteve uma postura muito tímida frente ao Foro de São Paulo. Este ano, a timidez acabou. Chavez mandou uma saudação, que foi lida pelo Nicolas Maduro. E o presidente do parlamento venezuelano participou e discursou duas vezes no Foro. Para aproveitar este momento, nada melhor do que fazer o próximo Encontro em Caracas. E para os venezuelanos, assim como foi para os nicaraguenses, acredito que a presença do Foro colabore na disputa presidencial de 2012.


10 – E qual foi a segunda melhor notícia?


O MAS da Bolívia solicitou e foi aceito como integrante do Grupo de Trabalho, que é uma espécie de direção do Foro de São Paulo. Aliás, a próxima reunião deste Grupo de Trabalho será no dia 4 de julho, também em Caracas, na véspera da cúpula da Comunidade de Estados latinoamericanos e caribenhos. Lá vamos divulgar um manifesto com as posições do Foro sobre a integração.


Fonte: Portal do PT



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Foro de São Paulo termina com apelo à unidade, integração e construção de uma alternativa ao neoliberalismo

Foi concluído nesta sexta-feira (20/05), em Manágua, o 17 ª Encontro do Foro de São Paulo, evento que reuniu 48 partidos e organizações de esquerda latino-americanos de 21 países. A declaração final, aprovada pelos 640 delegados, enfatizou a importância de seguir com a desconstrução do modelo neoliberal e a montagem de uma alternativa de esquerda.


Para atingir estes objetivos, o documento afirma ser necessário consolidar a unidade das forças progressistas e esquerdistas; aprofundar a integração regional; multiplicar as ações bem-sucedidas em diversos países; e projetar novas vitórias eleitorais. “Comprovamos ser possível construir uma unidade na diversidade ao nos unirmos em torno de objetivos comuns, sem descuidarmos para a reação da direita continental”, disse ao Opera Mundi a secretária de relações internacionais do PT (Partido dos Trabalhadores), Iole Ilíada.


Para ela, é necessário que, neste momento a esquerda latino-americana “avance onde já é governo, aprofundando as transformações lá ocorridas”. “E também ganhar as próximas eleições na Argentina, Guatemala, Nicarágua e Peru, evitando que a direita ganhe força para reverter o processo de mudança que estamos consolidando”, afirmou Iole.


A declaração final também destacou a importância de seguir impulsionando os processos de integração, para combater “as forças de reação do imperialismo mundial, que operam de forma cada vez mais agressiva”.


No documento, os integrantes consideram que o atual cenário geopolítico mundial é caracterizado “por uma das mais profundas crises do sistema capitalista”. Neste sentido, o documento destaca a necessidade de aprofundar alternativas como a Alba (Alternativa Bolivariana para os Povos das Américas), a Unasul (União das Nações Sul-americanas) e Celac (Comunidade dos Países da América Latina e Caribe).


Solidariedade


O documento também abordada questões locais, condenando veementemente o bloqueio contra Cuba, exigindo a imediata libertação dos chamado “Grupo dos Cinco” – cubanos presos nos EUA – e apoiar o processo de desenvolvimento da Revolução Cubana, que “atualizou seu modelo econômico, com a mais ampla participação popular”.


O Fórum também reafirmou seu apoio à FNRP (Frente Nacional de Resistência Popular) em Honduras, “em sua luta de resistência contra o governo atual, que é uma continuação do golpe”. Também apoiou o processo de mediação em curso para o regresso do ex-presidente Manuel Zelaya , afirmando que o retorno de Honduras ao cenário internacional não será aceito “até que as exigências da FNRP sejam cumpridas”.


O comunicado também pediu uma solução para o conflito interno na Colômbia “por meio de negociação política”, e condenou energicamente a” flagrante violação da soberania nacional da Líbia”, exigindo”um cessar-fogo das duas partes envolvidas no conflito, com o objetivo de se “alcançar uma solução pacífica”.


Finalmente, os delegados do Foro expressaram sua solidariedade com a luta dos palestinos para a criação de um Estado nacional independente, exigindo o fim das violações dos direitos humanos e da repressão. Também reiterou o seu apoio para a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional) e ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, para as eleições em novembro que serão realizadas no país centro-americano.


No último dia do Fórum foram aprovadas 22 resoluções, com diversas mudanças em sua estrutura organizacional. Entre as novidades, estão a filiação do Partido da Vanguarda Popular, da Costa Rica, e do MAS (Movimento ao Socialismo), da Bolívia. Por fim, o grupo de trabalho decidiu que a 18 ª reunião será realizada em Caracas, na Venezuela, em julho de 2012.


Fonte: http://alainet.org/active/46716


Palocci e as escolhas de Dilma

Por Rodrigo Vianna, no Escrevinhador


A denúncia contra Palocci parece consistente. Ah, mas a “Folha” quer desgastar a Dilma… E daí? O fato ocorreu ou não?


Ah, mas a denúncia foi vazada por “ruralistas” interessados em enfraquecer o ministro. E daí, de novo? É só quando os poderosos divergem que essas coisas vêm à tona…


Sim, Palocci (contradição do mundo real?!) cumpria nesse caso um papel positivo: negociava duramente com os ruralistas da base governista, para que aceitassem um Código Florestal menos retrógrado do que o proposto por Aldo Rebelo.


Por isso, criticar Palocci agora – dizem alguns apoiadores de Dilma – é fazer “o jogo da direita”. Será?
Aliás, se o caso surgiu como “fogo amigo” de dentro da base governista, por conta da votação do Código Florestal, a essa altura parece ter ganho dinâmica própria. Os jornais já relacionam o enriquecimento de Palocci à campanha de Dilma. Vale a pena manter um ministro que traz esse grau de instabilidade ao governo?


Quem acompanhou os bastidores da campanha eleitoral de 2010 sabe qual foi a opção de Dilma e do núcleo dirigente do PT no primeiro turno: tentaram ganhar a eleição só com o programa de TV e a popularidade do Lula. A idéia era ganhar sem fazer política. No primeiro turno, foi assim: campanha controlada pelo marqueteiro e pelos 3 porquinhos (Palocci, Dutra e Zé Eduardo).


Quem fez política foi o Serra. Politizou pela direita: trouxe aborto e religião para a campanha. Com isso, empurrou milhões de votos pra Marina, e levou a eleição pro segundo turno. Aí, a ficha no PT caiu. Dilma e o núcleo da campanha finalmente compreenderam o que já estávamos vendo na internet há semanas: o terrorismo conservador.


Dilma deixou os conselhos do marqueteiro de lado, teve coragem de ir pra cima no debate da “Band” (primeiro domingo do segundo turno): pendurou no pescoço do Serra a história do aborto (a mulher de Serra tinha dito que Dilma gostava de “matar crancinhas”), falou em Paulo Preto, reanimou a militância.


Se Dilma tivesse insistido no figurino do primeiro turno, poderia ter perdido a eleição. Pesquisas internas, pouco antes do debate da Band, davam apenas 4 pontos de diferença sobre Serra no início do segundo turno. Foi a realidade que levou Dilma a mudar de figurino.


Pois bem. Passada a eleição, Dilma montou o ministério e começou a governar. Como? Com o figurino idêntico ao usado no primeiro turno da eleição: sem política, longe dos movimentos sociais, procurando agradar o “mercado” e a “velha mídia”. Foi uma escolha.


Palocci tem a ver com isso. Coordenou a campanha. Ele quer um governo moderadíssimo, que não assuste a turma a quem dá “consultoria”.


Logo no início do governo, estava claro que Dilma procurava ocupar um espaço mais ao centro. Lula tinha (e tem) apoio da esquerda tradicional, dos movimentos sociais, do povão que saiu da miséria. Dilma foi em direção à classe média que lê a “Veja”. Com Palocci à frente. Palocci é amigo da “Veja” e da “Globo”. Palocci é blindado na “Globo”. Perguntem ao Azenha o que aconteceu na Globo quando ele tentou fazer uma reportagem sobre o irmão do Palocci, 5 anos atrás…


Renato Rovai publicou em seu blog um texto que mostra a repercussão desastrosa – para o governo – do caso Palocci nas redes sociais. Como aconteceu na eleição, com o aborto e a onda consevadora: primeiro os temas batem na internet, depois chegam às ruas.


Assim como ocorreu na eleição, Dilma talvez perceba que o figurino palocciano não garantirá estabilidade ao governo. Com quem ela vai contar quando enfrentar crise séria? Com a família Marinho? Com os banqueiros?
Dilma segue com popularidade alta. Mas o caso Palocci mostra os limites do governo. E os riscos que ela corre diante da primeira crise mais grave. Pode faltar base social…


http://www.viomundo.com.br/politica/rodrigo-vianna-palocci-e-as-escolhas-de-dilma.html


sábado, 21 de maio de 2011

Notas sobre a ofensiva da direita no Brasil atual

Por Muniz Ferreira (20/05/11)

A tentativa de conversão do segundo turno das eleições presidenciais de 2010 em um plebiscito sobre a descriminalização do aborto, a campanha midiática de ataques ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) e as recentes declarações públicas de teor machista e sexista realizadas por um conhecido apologista da ditadura militar brasileira são manifestações de um fenômeno que vem se cristalizando entre nós: a emersão de forças conservadoras e retrógradas em luta pela direção política e cultural da sociedade. Este movimento vem imprimir organicidade à produção intermitente de um discurso midiático, que, na exploração e espetacularização do noticiário sobre catástrofes, corrupção, guerras e violência, dissemina um clima de temor e insegurança, fortalecendo, no imaginário social, a opção pelas soluções individualistas, autoritárias e conservadoras, na contramão do desenvolvimento da democracia participativa e do protagonismo dos movimentos sociais.

As anotações esquematicamente apresentadas a seguir indicam alguns elementos definidores da atividade atual das forças reacionárias em nosso país, as quais buscam conquistar posições estratégicas fundamentais no desenvolvimento da guerra de posições em curso na sociedade brasileira por uma hegemonia política e cultural prolongada.

I) A ofensiva atual de uma direita ideológica e orgânica no Brasil reitera uma tendência que tem se verificado no mundo desde o final da 1ª Guerra Mundial, a saber, a tentativa de apropriação, pela direita, de aspectos do pensamento e da ação das forças progressistas, imprimindo nelas um selo reacionário. No caso em questão, trata-se da construção de uma hegemonia neoconservadora na sociedade civil brasileira através do uso dos instrumentos de formação da opinião pública.

II) O primeiro exemplo desta mimetização foi o fascismo das décadas de 1920 e 1930, que combinou a celebração dos valores militaristas com uma “política social” corporativa e a exaltação da hierarquia com a mobilização de massas em torno dos chauvinismos nacional e/ou racial.

III) Na década de 1950, surgiu o neoconservadorismo estadunidense que combinou o individualismo com a defesa dos princípios e valores tradicionais; a economia de mercado com a mobilização das consciências contra os supostos riscos de enfraquecimento ou desintegração do establishmenteconômico, político e social em vigor naquele país.

IV) Nos anos 1970 e 1980, o neofascismo, em diferentes partes do mundo anglo-saxão e europeu em geral, realizou uma peculiar apropriação das formulações diferencialistas e identitárias típicas da chamada pós-modernidade, combinando a afirmação dos valores comunitários com a defesa do direito à diferença e da liberdade de expressão e manifestação de suas idéias, em nome de objetivos racistas, xenófobos e anti-imigratórios.

V) No Brasil atual, a direita ideológica e orgânica se propõe a fazer algo que as forças de esquerda e centro-esquerda integrantes do bloco político governamental desistiram de fazer: disputar a hegemonia política e cultural na sociedade. O efeito direto disto é a deflagração de uma ofensiva direitista no parlamento, na mídia e nos púlpitos e altares das igrejas, em defesa de posições conservadoras e retrógradas.

VI) O acirramento das contradições e dos conflitos é uma decorrência do próprio amadurecimento do capitalismo brasileiro em sua etapa monopolista e em processo de incorporação ao imperialismo mundial. Expressa, no plano das idéias e dos discursos, a centralidade dos conflitos de classe em nossa sociedade, assumindo com isto contornos estruturais.

VII) A direita ideológica em seu esforço de afirmação na sociedade arvora bandeiras que lhe permitam delimitar posições e disputar a opinião pública. Com o desgaste das fórmulas e proposições neoliberais, os temas de sua preferência passaram a ser aqueles capazes de reacender, no imaginário das massas, os componentes mais moralistas e conservadores anteriormente adormecidos ou desmobilizados pela influência das forças e dos processos progressistas na sociedade, na política e na cultura.

VIII) Esta direita ideológica e orgânica será uma força política e social minoritária enquanto seu discurso for veiculado apenas pelas falas de seus “intelectuais orgânicos”, escribas e peroradores ocupados em conquistar e unificar amplos setores das classes dirigentes em torno de suas impostações, mas pode converter-se em uma força política e social explosiva ao incorporar apresentadores de rádio e televisão de grande penetração popular, clérigos, religiosos fundamentalistas evangélicos e católicos integristas dotados de apelo de massas.

IX) A recusa das forças de esquerda que compõe o atual governo em disputar a hegemonia cultural e política na sociedade e seus sucessivos recuos em face das reações conservadoras facilitam o avanço da direita ideológica e orgânica e pavimentam o caminho para sua ascensão ao poder. Tal processo evidencia o logro da opção do lulo-petismo no sentido de neutralizar a oposição política empregando os instrumentos de cooptação e clientelismo disponibilizados pelo “presidencialismo de coalizão”. Foge à compreensão daquela esquerda que a eficácia de tais instrumentos só se verifica no trato com a direita fisiológica, ao passo que a direita orgânica e ideológica não aspira a nada menos do que o monopólio do exercício da representação e do poder.

Essas observações são apresentadas com a finalidade de convidar à reflexão todos aqueles que vislumbram um horizonte de avanços políticos e sociais como conseqüência de transformações progressistas e rejeitam a perspectiva de ingresso da sociedade brasileira em uma era marcada pelo atraso político, pelo obscurantismo cultural e pela regressão em relação aos direitos civis, políticos e sociais já conquistados ou ainda por conquistar.

*Muniz Ferreira é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Fonte: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=602

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O livro didático e a ignorância jornalística

Polêmica ou ignorância?


Discussão sobre livro didático só revela ignorância da grande imprensa


Por Marcos Bagno – Universidade de Brasília (17/05/11)


Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua. Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).


Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.


Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela – devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.


Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.


A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.


Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).


Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.


Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário – possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme,
que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).


O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente.


Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?


Fonte: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745