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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dilema de Gay

Em seu livro "Capitalismo e Social-Democracia", Adam Przeworski apresenta o "Dilema de Gay". Trata-se de Peter Gay, para quem as esquerdas precisaram escolher no decorrer da história entre romper com a democracia para construir uma outra sociedade ou adotar o regime democrático da sociedade burguesa, correrendo o risco de ficarem presas a ela, perdendo força de mobilização e legitimando o status quo da burguesia.

O pensamento marxista viu surgir diferentes visões no que se refere à relação entre as esquerdas e o Estado burguês. Seja como um necessário processo, contido em um processo mais amplo de disputa de hegemonia, ou mesmo como resultado da correlação da luta de classes realmente existente. Aliás, quanto mais acirrada é a luta de classes, mais forte fica a relativa autonomia da esfera política, de acordo com Nicos Poulantzas.

O fato é que, importa para as camadas mais empobrecidas da população, quem estará governando o Estado. Conquista, manutenção e ampliação quantitativa e qualitativa de políticas públicas de educação, saúde, cultura, habitação, direitos trabalhistas, transportes coletivos, etc, são geralmente conflitantes com os interesses da classes dominantes e extremamente relevantes para a classe trabalhadora. Na verdade, devem ser frutos de demandas causadas pela organização popular. Fora isto, é a tese do "quanto pior melhor" da classe média brincado de ser militante. Por isso acho que o Dilema de Gay, se não estiver extemporâneo, até segunda ordem está plenamente resolvido.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Presos em um eterno presente

Você se lembra do julgamento de Alexandre Nardoni e de Ana Carolina Jatobá? O julgamento durou cinco dias e terminou na madrugada do último sábado, portanto, nem faz ainda uma semana. Perguntaram-me que opinião tinha sobre o “caso Isabella”. Respondi que não era jurista, que não conhecia a família e que a vida privada deles precisaria ser respeitada, ou seja, não era da minha conta.

Não quero destilar insensibilidade aqui, mas me opor ao espetáculo que foi montado com o julgamento e a dor de uma família e que mobilizou milhões de pessoas. Durante cinco dias surgiram no Brasil milhares de doutores em Direito Penal e em Direito Processual Penal. Outros tantos psicólogos que falavam do impacto disto tudo na mãe de Isabella Nardoni e muitos outros analistas apaixonadamente militantes da “causa de justiça” que buscavam, a todo custo, expressarem suas opiniões.

Mas, se esse tema era tão importante para quase todo o país, por qual motivo não mais ouvimos falar a respeito? Será por que agora temos a páscoa, coelhinhos e ovos de chocolate para nos preocupar? Além de mobilizar toda a “opinião pública nacional” esse episódio aumentou a audiência, e conseqüentemente os lucros, dos chatos telejornais. A TV Globo, por exemplo, levou alguns “renomados” juristas para comentarem o caso e explicá-lo para a “plebe ignara”.

Do mesmo modo que já esqueceram o “caso João Hélio”, parece que este já foi esquecido. O triste é que, se fossem crianças moradoras de periferias, estudantes de escolas públicas, freqüentadores de lan houses, nem sequer seriam mencionados. Pobre ter morte violenta é coisa normal, não é? O Faustão nem comentaria em seu ridículo programa. Reproduzimos tudo isso acriticamente quando nos sentimos importantes versando a respeito em nossas salas de estar.

E cá estamos presos em um eterno presente, alheios ao passado e ao futuro, nos afirmando por meio do consumo, mesmo que seja o consumo de uma dor particular que a mídia transforma em mercadoria. Tudo bem se um júri popular consegue mobilizar toda uma população, só assim as nossas mazelas sociais continuam esquecidas ou em segundo plano.

“‘É sangue mesmo, não é mertiolate’/ E todos querem ver/ E comentar a novidade/ ‘É tão emocionante um acidente de verdade’/ Estão todos satisfeitos com o sucesso do desastre: vai passar na televisão”. Renato Russo.