Por Ademário Costa* (13/06/11)
Desde a vitória de Lula em 2002 que nós, do PT, somos responsáveis pela condução do governo central do Brasil. Inegavelmente, a nossa presença no governo é técnica e politicamente superior a todas as gestões anteriores. Conduzimos o Brasil à uma série de feitos inimagináveis, resgatando a auto-estima e a confiança do povo brasileiro em um futuro cada vez melhor para as atuais e próximas gerações.
Interrompemos o processo de privatização do no núcleo estrutural da economia, elevamos a renda dos trabalhadores(as), aumentamos a massa salarial, fortalecemos o mercado interno, aumentamos o crescimento do PIB, rompemos com a dependência do FMI, aceleramos o processo de integração regional de forma solidária, acabamos com a ALCA, contribuímos para o fortalecimento da democracia no continente, retiramos milhões de pessoas da pobreza, diminuímos as desigualdades sociais, melhoramos a educação e a saúde, por fim, reelegemos o projeto pela terceira vez com e eleição da Presidenta Dilma.
Ainda poderíamos elencar uma série de grandes feitos das nossas gestões que são qualificados como fatos incríveis ou inesperados, justamente por nunca antes terem acontecido. O ineditismo impactante destas ações é uma característica marcante deste novo ciclo de desenvolvimento pós-neoliberal do capitalismo no Brasil. O fato deste processo ser conduzido por um partido de trabalhadores(as) também é uma surpresa histórica. Foi necessário que o PT, nascido das lutas de enfrentamento aos patrões, chegasse ao governo para estabilizar um processo de desenvolvimento com inclusão social em um regime democrático burguês.
Estamos cumprindo uma série de tarefas de organização do estado, típicas das revoluções burguesas clássicas na Europa e na América do Norte. Para isso, optamos por construir um governo de colaboração de classes, onde o trabalho e o capital alcançam ganhos constantes, tais como: aumento do lucro, da massa salarial, do valor real dos salários e do nível de emprego.
Essa aparente sensação, de que todos ganham, só é possível porque a nossa presença no governo, combinado com o atraso secular do estado brasileiro possibilitou verdadeiros avanços comparativos para o conjunto da nossa sociedade. Está sendo possível melhorar significativamente as condições em que a classe trabalhadora reproduz a sua força de trabalho, sem destruir o núcleo estrutural da sociedade capitalista.
Os interesses entre burgueses e proletários são de natureza contraditória e conflituosa, sabemos que a atual conjuntura nos permite navegar pela trilha da chamada concertação¹, mas não é possível continuar conciliando indefinidamente os interesses antagônicos das classes sociais. A burguesia brasileira tem como estratégia para o desenvolvimento do capitalismo a inserção subordinada na sociedade global. Para este setor, muitas das tarefas democráticas ou reformas burguesas, simplesmente não cabem no Brasil, pois comprometeriam o pacto das elites de dominação de classe.
As mudanças que estão acontecendo em nossa sociedade possibilitaram ao PT e ao conjunto da esquerda, vitorias eleitorais traduzidas em um acúmulo também inédito de força institucional que paulatinamente tem desmontado a direita partidária que procura a sobrevivência através da transfiguração ideológica ou da adesão pura e simples aos nossos governos. Este adesismo reforça a opção estratégica da maioria do PT, de constituir uma frente ampla de sustentação ao programa da revolução democrática, envolvendo inclusive partido e setores econômicos da burguesia brasileira.
O estado brasileiro não tem capacidade infinita de financiamento dos programas sociais. Para libertar o país da servidão econômica será necessário subverter a estrutura perversa de concentração de renda, lucros e terras, além de combater a hegemonia ideológica burguesa. Neste ponto residem os limites da atual aliança de classes, com característica de frente ampla que sustentam os nossos governos.
Por esse motivo, a maioria das tentativas de avanço institucional que incidam sobre a democratização da propriedade, dos lucros, da quebra dos monopólios privados, o combate as opressões especificas, tais como: racismo, machismo, sexismo, lesbofobia e homofobia, além da preservação do meio ambiente, do aumento real de salário são sistematicamente derrotadas ou boicotadas, inclusive por setores e partidos que participam da base aliada do nosso governo.
Estes mesmos setores se beneficiam politicamente, da utilização, de parte do nosso programa e de nossos símbolos, para confundir o eleitorado e surfar na onda de melhorias, se adaptam para manter a sua força eleitoral ao mesmo tempo em que dificultam o avanço do nosso projeto.
A derrota na votação do código florestal, as reações ao kit anti-homofobia, e ao PLC 122, os assassinatos de ambientalistas e de agricultores familiares, a repressão a movimentos sociais e a incapacidade de avançar na pauta das reformas estruturais são sintomas de que os limites do nosso governo já se tornaram amplos demais para os nossos “neo-aliados”, que com estas e outras demonstrações procuram encerrar, nos marcos da aceitabilidade, os avanços dos últimos anos.
Precisamos olhar para a história e aprender com outras experiências, particularmente na esquerda europeia, em que partidos de trabalhadores(as) que chegaram ao poder pela via eleitoral, aplicaram programas de melhorias sociais, baseados em uma política de coalizão, transformaram-se em gerentes das crises cíclicas do sistema e fizeram de sua passagem pelo poder um espaço de recuperação política da direita.
É importante observar, atentamente, os acontecimentos em Portugal e Espanha, países de rica tradição de luta socialista em que a contestação da crise econômica feita pelo povo nas ruas, não se traduziu em aumento da força eleitoral da esquerda, mas sim, em desencanto com os métodos e práticas de governo que confundiram a sociedade e desmobilizaram eleitoralmente a base social da esquerda nessas localidades.
O Programa de aceleração do crescimento, o Plano nacional de expansão da banda larga, o Programa Brasil sem miséria, as medidas complementares de controle inflacionário apontam para uma opção de continuar avançando. Mas, ainda existe muito há ser feito para melhorar a vida do povo, mesmo nos marcos do capitalismo. Quanto mais nos propusermos a avançar mais encontraremos dificuldades e, inevitavelmente, nos confrontaremos com um conjunto de interesses cristalizados, evidenciando diferenças e tensões inclusive entre e com os nossos neo-aliados.
Mesmo com força institucional que o governo central nos confere, não podemos esquecer que a burguesia, representada organicamente pela direita e centro-direita continua sendo maioria no congresso nacional, nas assembleias legislativas, nas câmaras de vereadores, entre os prefeitos e governadores, disputam os nossos governos, dirigem o poder judiciário, a mídia, conservam intacto o seu poderio econômico e representam a ideologia dominante na nossa sociedade. Temos o governo, mas este, por si só, não nos garante instrumentos de poder suficiente para aprofundar as mudanças em curso.
Atualmente, existe uma intensa agitação de importantes setores da classe trabalhadora que já sentem de forma mais intensa os limites da coalizão e se apresentam para a luta. Servidores Federais, Estaduais, estudantes, trabalhadores da iniciativa privada, anti-proibicionistas, feministas, Gays e Lésbicas e outros setores, começam a demonstrar em greves e mobilizações massivas a compreensão de que não podemos depositar unicamente na institucionalidade a responsabilidade por garantir os avanços sociais.
Precisamos consolidar como política de estado, uma série de conquistas alcançadas durante os nossos governos e impulsionar uma nova etapa de vitórias. Não existem mudanças sem lutas! Seremos nós, nas ruas e avenidas, praças e ocupações que daremos sustentação as conquistas existentes e avançaremos para aprofundar as mudanças através de um programa de reformas democráticas e populares. Programa este, que incida diretamente no núcleo estrutural da economia capitalista e acumule para o socialismo.
Os socialistas deve se submeter a um constante preparo para serem capazes de colaborar com a classe trabalhadora no seu processo de reencontro com as mobilizações sociais. São tarefas deste preparo: exercitar constantemente disputa política e ideológica, colocar na ordem do dia o programa democrático popular, estimular as lutas sociais de massa, disputar o PT e fortalecer as organizações da esquerda socialista.
* Secretário de finanças do PT/BA
¹ concertação: Pacto, acordo de classes